Usucapião em bem de massa falida: competência?

  31/03/2016

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Há um verdadeiro duelo entre princípios ao se deparar com a questão de qual a competência para julgamento da usucapião de bem de massa falida, pois tal instituto jurídico se baseia no princípio da utilidade social, visando segurança e estabilidade da propriedade, enquanto em processos de falência o que se busca é a garantia dos direitos dos credores, além da igualdade entre estes. E, para ilustrar o embate jurisprudencial quanto ao tema, colacionou-se julgados do Superior Tribunal de Justiça, Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que analisam o tema.

Em conformidade com o AgRg no Conflito de Competência n° 116.417 – RJ julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, em se tratando de ações imobiliárias firmou-se entendimento no sentido de prestigiar a vis attractiva do juízo falimentar, sob o fundamento de que “os motivos justificam a improrrogabilidade da competência das ações imobiliárias parecem ceder diante da competência conferida ao juízo indivisível da falência, o qual, por definição, é um foro de atração, para o qual converge a discussão de todas as causas e ações pertinentes a um patrimônio com universalidade jurídica.

Ressalta, ainda, que a unidade e indivisibilidade do juízo falimentar evita a dispersão das ações, reclamações e medidas que, conjuntamente, formam o procedimento falimentar, o qual fica submetido a critério uniforme do juiz que superintende a execução coletiva e que preside a solução dos interesses em conflito com ela ou a ela relacionados. Já no sentido de se decidir a competência ideal caso a caso, há o entendimento do Conflito de Competência n° 114.842-GO que, ao trazer que o princípio da universalidade visa ao tratamento isonômico da coletividade de credores e a facilitação da administração da massa falida no rateio do seu passivo mas que sofre exceções em caso de demanda atípica e não prevista na lei falimentar, reconhece a competência do Juízo universal da falência, mesmo sob o riso de sobrecarga deste inviabilizando a prestação jurisdicional.

Segue o entendimento do Superior Tribunal de Justiça a decisão do Agravo de Instrumento n° 1.0040.13.011720-9/001 do Tribunal de Justiça de Minas Gerais ao ressaltar que em virtude de escolha, por nosso ordenamento jurídico, do princípio da universalidade do juízo falimentar, a competência daquele juízo para processar e julgar as ações referentes a interesses da massa falida é funcional, e não territorial, e, portanto, é absoluta. Acompanha o entendimento a Apelação n° 1.0145.03.052595-3/001 de mesmo Tribunal e o Agravo de Instrumento n° 1.002409.645021-8/0001 que traz a mesma consequência, mas ressalva que o entendimento seria diverso quando conflito de juízos de diferentes comarcas.

Tem entendimento oposto ao Superior Tribunal de Justiça, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, plasmado na Apelação n° 02.01327-35.2013.8.21.7000, a qual diz que o juízo da falência é competente para julgar todas as ações sobre bens, interesses e negócios da massa falida, contudo há exceção na medida em que o foro da situação do imóvel é competente para julgar as ações de usucapião, que gera como consequência que o juízo universal da falência não prevaleça diante da ação de usucapião, sendo competente o foro da situação do bem. Concordante com esse posicionamento o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em Agravo de Instrumento n° 0203620-56.2011.8.26.0000, ao trazer que o juízo universal da falência não detém competência para a decisão acerca da alegação de aquisição do domínio diante do advento da prescrição aquisitiva em prol do possuidor, pois o legislador erigiu a critério de natureza absoluta aquela inerente à competência para ações reais imobiliárias. Ressalta, ainda, que a opção legislativa atente conveniências da instrução processual, facilitando a comunicação dos atos processuais, a realização da prova e o conhecimento da questão como um todo pelo Juízo da situação da coisa, tratando-se de norma específica que regula esta modalidade de processo e que se sobrepõe às disposições daquela que regula as diversas ações contra a massa e que não estão abrangidas por normas especial, Lex specialis revogat generalis.

Ex positis, o entendimento jurisprudencial pátrio quanto a qual o juízo competente para julgar ação de usucapião de bem de massa falida ainda não está harmonizado, muito embora já devesse está-lo. Dessa monta, ressalta-se que é mais um tema que merece sua devida análise pela doutrina brasileira para que a jurisprudência tenha subsídios suficientes para sedimentar entendimento que conflua os princípios em duelo em prol da paz social, objetivo último da jurisdição.


Fonte: STJ - AgRg no Conflito de Competência n° 116.417- RJ (2011/0062812-1), Conflito de Competência n° 114.842 – GO (2010/0205009-9); TJ/MG - Agravo de Instrumento n° 1.0040.13.011720-9/001, Agravo de Instrumento n° 1.0024.09.645021-8/0001, Apelação n° 1.0