JUÍZO UNIVERSAL NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL, NOVO HORIZONTE JURISPRUDENCIAL?

  29/01/2016

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A Lei 11.101/2005 prevê, em seu artigo 76 que o juízo da falência é indivisível e competente para conhecer todas as ações sobre bens, interesses e negócios do falido, com algumas poucas exceções, é a base do que ficou conhecido como “juízo universal” da falência. Não há, no texto legal, afirmação de que o mesmo ocorre na recuperação judicial, contudo o artigo 6° aproxima ambos os institutos, possibilitando a interpretação da Lei no sentido de que há uma espécie de juízo universal da recuperação judicial, com suas exceções, aquelas não inclusas no artigo 49 da Lei, como no caso de demandas ilíquidas.

A base para tal entendimento se dá pelo próprio norte da recuperação judicial, ou seja, pelos princípios da preservação da empresa, de sua função social e do estímulo à atividade econômica previstos no artigo 47 da Lei 11.101/2005, conferindo a competência para promover os atos de execução do patrimônio da empresa recuperanda ao juízo em que se processa a recuperação judicial, pois, assim, evita-se que medidas expropriatórias prejudiquem o cumprimento do plano de recuperação judicial.

Isso se dá, pois a maneira de tratar o interesse coletivo deve prevalecer sobre as medidas individuais na consecução do ideal advindo do interesse público na preservação da empresa. Ainda mais ao quando se leva em conta que no direito concursal, tanto na recuperação de empresas quanto na falência, deve-se ter em mente o interesse de toda uma coletividade de credores, o que leva a crer que há um lado social que não deve ser ignorado, afinal a manutenção de uma empresa é de interesse não apenas de seus sócios, como também da sociedade em geral.

Essa posição se coaduna com a dicção do artigo 170 da Constituição Federal de 1988, já que o Brasil pauta sua ordem econômica na economia de mercado em que se baseia na livre iniciativa com a valorização do trabalho e da dignidade da pessoa humana, o que segue lado a lado ao próprio objetivo da recuperação judicial, que passa não apenas pela maximização dos recebíveis dos credores em relação à falência, havendo um horizonte legal em prol da viabilização da empresa recuperanda, sempre com o objetivo de conservar empregos e continuar a sua produtividade no mercado.

O Superior Tribunal de Justiça – “STJ” - fixou entendimento no sentido de um juízo universal, na medida do possível, da recuperação judicial.

No julgamento do Agravo Regimental nos Embargos de Declaração no Conflito de Competência n° 136.508 – PA (2014/263031-5), o Ministro Relator João Otávio de Noronha afirmou que “com a edição da Lei n° 11.101, de 2005, é competente o respectivo Juízo para o prosseguimento dos atos de execução, tais como alienação de ativos e pagamento de credores, que envolvam créditos apurados em outros órgãos, ainda que tenha ocorrido a constrição de bens do devedor”, respeitadas as especificidades da falência e da recuperação judicial.”, devendo ser interpretado o artigo 49 da referida Lei no sentido de que “mesmo o crédito constituído no curso da recuperação judicial advindo de decisão proferida em ação proposta contra o devedor, possa ser inserido na categoria de crédito extraconcursal e, portanto, ter precedência em relação aos do art. 83 e na ordem prescrita (art. 67 e 84, V, da Lei n. 11.101/2005), e ainda, deva se submeter ao processo de recuperação caso não tenha sido objeto de reserva (art. 6°, §3°, da citada lei), ao invés de ser perseguido por meio de medidas judiciais em juízos diversos, uma vez que implicaria oneração de bens da sociedade recuperanda, descontrole na negociação e no pagamento de credores e desestímulo para o equacionamento do estado de crise econômico-financeira”.

Parte da jurisprudência dos Tribunais de nosso país tem decidido que nos conflitos de competência o juízo universal terá vis atractiva quando do deferimento de pedido de recuperação judicial (Processo no 0011716-31.2012.8.10.0040 em conflito de competência n° 045662-2015 - Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão; Processo  n° 1.0450.11.001949-1/001; Processo n°  1.0450.11.002595-1/001; Processo nº 1.0525.15.001691-9/001 - Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais). 

No mesmo sentido o Superior Tribunal de Justiça tem interpretado o § 7° do art. 6° da Lei n° 11.101/2005, no sentido de que, apesar de não se suspender o feito executivo com o processamento da recuperação judicial, não se deve proceder a atos que reduzam o patrimônio da empresa, sob pena de inviabilizar a sua recuperação.

Nesse contexto, deve-se tentar preservar ao máximo a empresa, eis que, muito embora a execução fiscal não se suspenda pelo processo de recuperação judicial da empresa, as constrições judiciais e, por conseguinte, as alienações de bens somente podem ser realizadas pelo juízo universal, sob pena de inviabilização da empresa.

Entretanto, para alguns haveria a possibilidade de se afastar o juízo universal da recuperação judicial nas hipóteses em que se postulam quantias incertas e ilíquidas contra a empresa recuperanda, pois necessitaria de ampla dilação probatória. (Processo n° 1.0024.14.646077-2/001 - Processo n° 1.0145.15.025035-8/001 – Tribunal de Justiça de Minas Gerais).

Assim, alude-se ao possível horizonte jurisprudencial de aceitação do juízo universal na recuperação judicial, e não apenas na falência, tendo em vista a relevância do artigo 47 da Lei n° 11.101/2005, em especial na busca da preservação da função social da empresa recuperanda ao mesmo tempo em que se protege a efetivação de seu plano de recuperação. O Superior Tribunal de Justiça já vê reflexos de seu entendimento em outros Tribunais, o que leva à salutar harmonização jurisprudencial.


Fonte: Jurisprudência em teses – Recuperação Judicial I, 27/05/15; Jurisprudência em teses – Recuperação Judicial II, 24/06/2015; Waiseberg, Ivo. O necessário fim dos credores não sujeitos à recuperação judicial. In Elias, Luis Vassco (coord.); 10 Ano