Usucapião em bem de massa falida: a hipótese de cônjuge de empregado

  29/02/2016

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O instituto jurídico da usucapião é fundado no princípio da utilidade social, e sua origem remonta à própria origem da tradição romano-germânica da qual o sistema jurídico pátrio partilha. Visa a segurança e a estabilidade da propriedade ao mesmo tempo em que busca consolidar aquisições e facilitar prova de domínio, restando incólume a paz social. Entretanto, há ocasiões em que pode haver um confronto entre o ideal representado pela usucapião e outro princípio, como, no caso da falência, em que se visa garantir os direitos dos credores, além da igualdade destes.

Tal tema leva a diferentes caminhos, por exemplo, a questão de qual o juízo competente. Ao tratar desse assunto, surge de imediato uma pergunta: - Qual valor deve prevalecer na hipótese de cônjuge de empregado buscar a usucapião de bem da massa falida? Para responder adequadamente a esse questionamento, buscou-se o entendimento jurisprudencial atual de Tribunais de Justiça dos seguintes Estados: Goiás, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo, analisados em consonância ao que é trazido pelo Superior Tribunal de Justiça.

A ação de usucapião busca declarar domínio de propriedade imóvel, desde que comprovada posse ininterrupta, mansa e pacífica por tempo determinado, com animus domini, e sendo necessária a posse de boa-fé a depender do caso. Assim, resta dúvida na situação em que um empregado que, por motivo de contrato de trabalho, mora em determinada propriedade de empresa que, porventura, venha a falir, continuando na posse de tal imóvel até o momento em que seu companheiro ou cônjuge venha a requerer a usucapião de tal propriedade, por vezes após a morte do empregado. São preenchidos os requisitos necessários para que haja a usucapião nesse contexto?

Pelo observado na jurisprudência pátria, a principal questão se dá em quando cessa, e se cessa, a posse por razão de vínculo trabalhista para, então, ser exercida com animus domini. Há corrente que alerta que a posse em razão de contrato de trabalho se dá por tolerância ou precariedade, sendo contemporânea ao exercício da posse e se prolongando durante toda a sua duração, e, dessa forma, não se pode admitir que no decorrer do prazo prescricional se transformem em animus domini, elemento subjetivo, cuja presença é perceptível na valoração do conjunto de atos exteriores praticados pelo possuidor – que é, inclusive, o entendimento majoritário do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

Mesmo caso a resposta fosse inversa, no sentido de que há transformação em animus domini de tal tipo de posse, resta outra questão que tem a ver com o prazo prescricional. Seria este suspenso pela decretação de falência da empresa proprietária do imóvel? Há entendimento firme na jurisprudência que tal suspensa inviabiliza a pretensão de usucapião, a não ser que a posse com animus domini tenha se dado, por tempo suficiente, anteriormente à própria decretação de falência – novamente, é esse o entendimento predominante no Tribunal de Justiça de Minas Gerais, seguido pelo Tribunal de Justiça do Paraná e pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro; discordante é o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que ressalva a hipótese de que a prescrição continua a correr em relação a terceiros para com o falido e a massa falida, e no mesmo sentido julgados do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

A usucapião, que é nada além de um tributo à posse conferida a quem confira a função social e econômica da propriedade, visa garantir a justa propriedade a quem compete, o que, como exposto acima, leva a questionamentos relevantes quando se trata de usucapião face a bem imóvel de massa falida, vez que contrapõe coletividade de credores ao direito à moradia e à propriedade do possuidor do imóvel. Cumpre ressaltar que a questão ainda não é pacífica em nossos tribunais, aguarda-se pronunciamento pelo Superior Tribunal de Justiça que possibilitaria harmonia jurisprudencial em tema tão caro ao direito brasileiro.


Fonte: Roberto de Palma Barracco